Nesses tempos pós-modernos, vivemos dilacerados internamente e confusos em nossas ações. A marca da pós-modernidade, segundo alguns dos seus teóricos, é a esquizofrenia. E ela se manifesta na cultura, na arquitetura, na dilaceração das grandes utopias, na fragmentação do sagrado. Tudo vai se transformando em coisa, tudo é muito superficial, consumível e descartável. Isso vale para pessoas, relacionamentos e até identidades políticas ou religiosas.
Fragmentação, incerteza,
angústia, desconstrução, sensação de vazio. O mundo visto pela ótica
pós-moderna é um caleidoscópio vertiginoso de sensações, percepções, valores e
verdades, todas mais ou menos iguais entre si, pois as hierarquias também foram
corroídas em nome de um horizontalismo "democrático" gerado pelas
desconstruções raivosas das metanarrativas que "oprimem" os
indivíduos.
E agora? Somos mais felizes do
que nossos pais e avós? Penso que não! O ser humano fragmentado e superficial
da pós-modernidade é uma dilaceração trágica e uma perda irracional do centro
de si mesmo, quiçá do que entendemos como humano.
Não quero negar valores
positivos desse tempo, tais como o pluralismo, a crítica à mitificação do
progresso evolutivo, os grandes avanços tecnológicos, a liberdade individual e
o antiautoritarismo dos grandes discursos que impunham verdades únicas. O que
me espanta é ouvir, como hoje, uma vizinha em altos sons curtindo música
gospel, funk com linguagem agressivamente pornográfica e apologia ao crime e as
drogas, e música pop americana, tudo misturado. Quem é ela? Onde ela está? O
que verdadeiramente crê na vida? Penso que ela é pós-moderna. Seres
fragmentados, superficiais, caleidoscópicos e sem sentido algum, sem
totalidade, sem um eu que seja alicerce. E por que não dizer, sem Deus (ainda
que para a maioria dos pós-modernos a idéia de Deus é quase um absurdo
arrogante e totalizador). Não estou julgando ninguém, apenas pensando e
compartilhando.
Defender hoje a razão, o bom
senso, o diálogo (penso aqui em Habermas) e um projeto ético global de
emancipação humana parece uma piada, um retardo mental ou coisa de gente
inocente e “fora da nova ordem mundial”. A festa pós-moderna nos convida a
misturar tudo, mesmo que não faça o mínimo sentido (mas qual é mesmo o sentido
se não aquilo que cada um dá para si mesmo, perguntará um pós-moderno).
Ecletismo, pastiche, simulacros. Deus, funk “proibidão”, maconha,
aleluia, ateísmo light, incenso, cocaína, frases bíblicas, novenas, livros de
auto-ajuda, citações desconexas de autores que ninguém de fato lê. Tudo é lixo,
tudo é luxo, tudo é interessante e ao mesmo tempo chato demais se passar dos
140 caracteres. Quem tem tempo e paciência para coisas mais profundas? Quem lê
textos num facebook “twittizado”?
É um viver esquizóide, sem
tempo para nada que seja longo ou profundo. Essa tal pós-modernidade é ao mesmo
tempo festiva e depressiva. Uma depressão surda e epidêmica, ocultada pelos
bailes funks, raves, orgias coloridas, garrafas de whisky com red bull, drogas
de todos os tipos e gritos de aleluias.
"Whiski ou água de coco
pra mim tanto faz", canta um MC do complexo da Maré. O importante é mais e
mais, alucinar-se até não aguentar mais. "Beber, cair e levantar"
embalado pelo consumo e por uma nostalgia angustiante de algo que estamos
perdendo, mas nem sabemos exatamente o que é. Não se trata aqui de moralismo,
nem de campanha antidrogas, mas de uma reflexão ontológica sobre o sentido da
vida, de estar no mundo.
As religiões, partidos
políticos e outras instituições que na modernidade ajudavam na coesão social,
na manutenção dos laços sociais e forneciam utopias que davam sentido a vida
comunitária e individual, também se encontram degradadas e, em muitos casos,
capitularam.
O que significa viver num pais
com mais de 30 partidos? O que é o novo PSD do Kassab se não o nada com coisa
nenhuma? É a desideologização da política, seu esvaziamento cultural e
sua transformação em siglas de mercado para consumo pessoal e coletivo. A
política se transforma em simples espaço para a manutenção de elites e
oligarquias de poder que se revezam com muito dinheiro para comprar eleitores,
eleições e consciências, também vendáveis. Os aparelhos midiáticos ajudam nesse
espetáculo (ou o produz?) e mantém um clima de democracia onde na verdade
existe manipulação descarada e abuso de poder econômico. As massas também
participam e gozam, assistindo e negociando seu preço, comendo nos churrascos
eleitorais e arrumando uns trocados enquanto sustentam discursos puritanos contra
as “canalhices dos políticos”. Eleitos por quem?
No meio ao caos e insegurança
de um mundo sem deus, eira ou beira, todos começam a correr atrás de uma
boquinha, um esqueminha, um mensalão qualquer. É o pragmatismo amoral.
Essas igrejas neopentecostais
também entraram na farra pós-moderna e junto com a renovação carismática
católica sobrevivem vendendo um "Cristo de mercado" onde depositamos
dízimos, novenas, ofertas etc. e ele nos dá tudo o que desejamos.
Os carros que poluem nossas
grandes cidades ganham um adesivo: "propriedade exclusiva de Jesus".
Mas esse judeu rebelde que foi crucificado não disse que Seu Reino não era
deste mundo? Não reclamou da falta de um lugar para reclinar sua cabeça?
"Foi Deus que me deu" diz outro adesivo. Triste deus de mercado que
está aqui apenas para servir alguns seres humanos, espantando o medo do diabo e
do olho grande em troca de ofertas que garantem com curas, milagres,
apartamentos e carros novos, especialmente, para os pastores e líderes. A
fatura alta do cartão de crédito passa a ser o símbolo de pessoas “abençoadas”
pelo deus mercado.
Diante desse quadro
existencialmente dramático só nos resta agarrarmo-nos numa "comunidade
interpretativa" (os pós-modernos gostam desse conceito) que nos seja
razoável e que nos dê sentido, compreensão de totalidade, para que tenhamos
condições de sobreviver nesses tempos de angústia celebrados como uma festa
orgástica irracional, estúpida e autodestrutiva. A humanidade, em especial nós
ocidentais, estamos dançando com a morte e, pior, cremos que estamos festejando
a vida na fanfarronice das superfícies e nos gostos esclerosados e ditados pela
novela da vez.
Bons tempos aqueles em que eu
acordava para a escola, rezava, tomava café e aprendia que seguir a ética dos
dez mandamentos e o amor de Jesus bastava para ser feliz. Vida simples e rica.
Coisas do subúrbio.
Sociólogo, teólogo e mestrando
em Serviço Social na UERJ
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"Deus, funk “proibidão”, maconha, aleluia, ateísmo light, incenso, cocaína, frases bíblicas, novenas, livros de auto-ajuda, citações desconexas de autores que ninguém de fato lê. Tudo é lixo, tudo é luxo, tudo é interessante e ao mesmo tempo chato demais se passar dos 140 caracteres. Quem tem tempo e paciência para coisas mais profundas? Quem lê textos num facebook “twittizado”?"
ResponderExcluirExatamente isto meu amigo Márcio. Estamos “twittizado”! Tudo faz sentido mesmo não fazendo sentido algum. Gostei dos ateus light. Abraços! E obrigado pela postagem.
Muito bom o post !!
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